Empreiteiras se empoderam, patrocinadores faturam com a isenção fiscal e o povo paga a conta
O Brasil é capaz de organizar megaeventos esportivos. A Copa de 2014, a abertura, os eventos e o show de encerramento das Olimpíadas comprovam. A lorota de que “imagina na Copa” ou “imagina nas Olimpíadas” ficou para trás. Superamos o complexo de vira latas, como diria Nelson Rodrigues. Mostramos ao mundo uma abertura de Olimpíadas definida pela imprensa estrangeira como “deslumbrante” e ainda pela metade do custo da abertura das Olimpíadas de Londres, há quatro anos.
O grande objetivo poético dos jogos, de confraternização universal entre os povos, ganhou mais importância com a inclusão da Equipe Olímpica de Atletas Refugiados, um conjunto de esportistas de várias nações. Essas são histórias de encher os olhos de lágrima e o coração de solidariedade.
Contudo, a realização de grandes eventos esportivos, como a Copa e as Olimpíadas, impõe ao país sede submissão à FIFA (Federação Internacional de Futebol) e ao COI (Comitê Olímpico Internacional), ambas envoltas em denúncias de corrupção, favorecimentos de contratos, desvio de verbas, superestimação de custos para a obtenção de isenções fiscais etc.
Só remoções chegam a mais de 77 mil pessoas que perderam suas casas para dar lugar a empreendimentos que irão garantir lucros bilionários para as construtoras, já que a Vila Olímpica, por exemplo, foi financiada pelo BNDES e todos os apartamentos serão vendidos a alto custo.
LEGADO DO PAN DE 2007
Vale recordar que os jogos Pan-Americanos de 2007 no Brasil foram orçados em R$ 390 milhões de reais, mas custou quase 10 vezes mais. Saiu por R$ 3,3 bilhões e até hoje há processos correndo por desvios e superfaturamento. E tanto o Pan de 2007 quanto as Olimpíadas do Rio 2016 prometeram a despoluição da Baía de Guanabara, mas ficou por isso mesmo. E olha que já foram gastos mais de R$ 1 bilhão de reais de 2007 até agora na tentativa de limpar a Baía.
ECOS DA COPA
O Estádio Antônio Otoni Filho (Cave) seria um dos centros de treinamentos da Copa do Mundo, em 2014, mas não ficou pronto a tempo, apesar dos R$ 6 milhões investidos. Com obras de adaptação de mais R$ 1,24 milhão, também não ficou pronto para receber equipes de futebol masculino nas Olimpíadas. Já a maior parte dos outros estádios da Copa, sofre com a deterioração devido ao alto custo de manutenção. O dinheiro público bancou 80% dos gastos da COPA.
PARQUE OLÍMPICO CARO E INCOMPLETO
As obras para a Rio 2016 custaram por baixo R$ 39 bilhões de reais gastos. Isso porque as contas ainda estão em aberto. Apesar do alto custo, as construtoras deitaram e rolaram com as obras, várias delas investigadas na Lava Jato, como a poderosa Odebrecht, que monopolizou até a venda de comida no evento. O Parque Olímpico foi entregue com atrasos, cheio de defeitos, vazamentos, azulejos faltando ou até caindo das paredes. Obras emergenciais foram contratadas ao custo de R$ 20 milhões para concluir os apartamentos, mas a gambiarra saiu caro. Uma fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego flagrou trabalhadores da Vila Olímpica sem carteira assinada e enfrentando jornadas exaustivas, de até 23 horas. O comitê organizador foi multado em R$ 315 mil reais, que, obviamente, é um valor ínfimo para o COI e ninguém sabe se será pago.
QUEM PAGA A CONTA DA RIO 2016?
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), havia afirmado que 57% das obras não seriam bancadas pelo dinheiro público. No fim, é sempre o dinheiro público que banca, seja com investimentos diretos ou com a farra das isenções fiscais.
Um consórcio entre as empreiteiras OAS, Odebrecht e Carioca Engenharia será responsável pela coleta de lixo, troca de iluminação e gestão do trânsito na região na região revitalizada da zona portuária. A privatização do chamado Porto Maravilha vai custar R$ 7,6 bilhões de reais ao município do Rio nos próximos 15 anos.
O nefasto ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, cobrou, segundo delações premiadas, “52 milhões de reais em propina para a liberação de verbas do FGTS para o projeto de revitalização portuária”. Dinheiro público bancando o espaço privatizado.
REPRESSÃO NAS FAVELAS E NOS JOGOS OLÍMPICOS
O processo de “limpeza da área” sob o pretexto de segurança das Olimpíadas ou da Copa é comum em todo o mundo. Pouco antes das Olimpíadas de Atlanta, nos EUA (1996); da Copa na África do Sul, em 2010; e nas Olimpíadas do Rio de 2016, por exemplo, houve aumento de mortes pela polícia. Os dados são da Anistia Internacional. A organização aponta que houve 124 mortes causadas pela polícia entre abril e junho de 2016, no Rio, o que representa aumento de 103% em relação ao mesmo período de 2015. A Anistia Internacional classifica o cenário como “modelo militarizado de segurança pública”. Ainda há a denúncia de que as milícias (grupos policiais que disputam o espaço para o crime com as organizações criminosas) estivessem “preparando a área” para incursões sobre territórios “hostis”.
A repressão às manifestações políticas nas instalações olímpicas foi pior do que na Copa. À princípio, até cartazes chegaram a ser proibidos.
A FARRA FISCAL OLÍMPICA
O McDonald’s, o Bradesco, a Coca Cola, a Latam e o grupo Globo não pagaram impostos durante as Olimpíadas, apesar de lucrarem bilhões. Segundo cálculos da própria Receita Federal, essa mamata olímpica custou R$ 3,83 bilhões para os cofres públicos. A quantia é maior do que o aporte nas contas do estado do Rio de Janeiro de R$ 2,9 bilhões pelo governo federal após o governador em exercício Francisco Dornelles decretar estado de calamidade.
A bem da verdade, essa dívida não é fruto de calamidade propriamente dita porque foi causada pelo endividamento do estado por meio de renúncia fiscal das grandes empresas. O TCE aponta R$ 138 bilhões em isenções para grandes empresas no RJ entre 2008 e 2013. Transferência indireta de renda dos cofres públicos para a patronal.
Apesar da Copa e das Olimpíadas, o orçamento do Rio de Janeiro que comprometeu os salários de servidores, pagamentos de pensões e aposentadorias é consequência da política fiscal do PMDB no governo do estado, que esvaziou o caixa do RJ.
Por fim, os jogos Olímpicos do Rio 2016 representaram muito mais do que o seu valor simbólico de paz, confraternização e solidariedade. Representaram repressão, despejos, superfaturamento, aditivos criminosos de contrato, obras inacabadas, supressão da autonomia político-econômico-fiscal do país, mortes nas periferias e contas, muitas contas a serem pagas pelo povo brasileiro no próximo período.